terça-feira, 26 de abril de 2011

Filosofia de Buteco - do Colaborador Araquen Belo




O Bom Caminho

Falar do universo dos bares, botecos, bodegas, restaurantes fins-de-noite e similares não é tarefa fácil. Mas como sou
um homem que não teme desafios, resolvi abraçar esta dura missão, por mais sacrificante e exaustiva que ela possa
se mostrar. Percorrer vários estabelecimentos, conversar com as pessoas, ficar atento aos detalhes (é lá que está
toda a magia), agüentar os inevitáveis bêbados e, principalmente, tomar muita cerveja farão parte da minha rotina
daqui pra frente. Claro que esta labuta vai exigir tolerância extra dos meus diletos. Mas, pela primeira vez, minha mãe
vai ficar orgulhosa vendo seu filho perambulando pelos bares por uma causa nobre. Minha mulher terá a obrigação de
compreender que se trata do leite das crianças, ora bolas! Enfim, uma questão de profissionalismo...
A primeira vez que estive em um boteco de verdade nunca vai sair da minha memória e é pena não me lembrar
do iluminado que me colocou em contato com este ambiente tão agradável. Com certeza deve ter sido alguém bem
próximo, com a noção exata do que chamamos “bom caminho”. Ao contrário do que o senso comum julga, botecos
são fontes inesgotáveis de sabedoria, onde o conhecimento é transmitido sem preconceitos, sem pré-julgamentos e,
principalmente, com uma cumplicidade maçônica. Desconheço lugar onde o credo, cor, classe social e cultural façam
tão pouca diferença: médico bebe com soldado, professor discute política com apontador de jogo do bicho, pai e filho
conseguem ter conversas inéditas. Sem contar as grandes decisões políticas que foram tomadas em mesas de bares.
Completamente inserido na nossa cultura, o hábito de freqüentar botecos encontra em Belo Horizonte um verdadeiro
paraíso. Cidade brasileira com o maior número de bares por habitante, conseqüentemente, deve possuir também o
maior número de freqüentadores, simpatizantes, historiadores, filósofos, cronistas, caricaturistas, especialistas de toda
espécie, todos unidos pelo mesmo prazer: o de tomar uma cerveja gelada e falar bem ou mal da vida. Como morador e
freqüentador ativo de um dos redutos de bares e botecos mais famosos da cidade, o Santa Tereza, acredito que esteja
abalizado para descrever este mundo tão rico. Temos em nosso “currículo” o bar mais antigo da cidade que, no alto dos
seus 90 anos, mantém-se ativo e operante. Estou falando do Bar do Orlando – na verdade, Bar dos Pescadores – que fica
lá embaixo, perto da linha do trem e de uma já extinta e famosa estação, onde os pescadores desciam pra abastecer os
samburás e a garganta, lá pelos idos de 1940. Aliás, é costume mesmo bar levar o nome do dono, até por uma questão
de intimidade. Fica mais fácil: “Vamos ali no Walter!” ou “Tomemos uma no Nelsinho”, e por aí vai.
Não faltam histórias sobre o assunto, algumas fantasiosas, todas etílicas. Aquele senhor que fica sempre na mesma
mesa, aquele outro que nem bebe mas não sai do bar, os inúmeros chatos (o maior problema), o cara que chega sempre
usando terno e a gente não sabe se é advogado ou vendedor de sapatos. Enfim, assim como nós, todos são ricos
personagens que irão freqüentar estas páginas. A primeira é por minha conta. Saúde!

(Araquen Belo é culto frequentador dos butecos de BH e tem em seu currículo o papo amigo, o tempo da piada, o gosto pelo encontro, a irreverência fraterna - seja lá o que isso signifique. Entre um copo lagoinha e outro, sempre há tempo para um comentário inteligente e provocador. Grato, amigo Zuco! - é seu apelido - Volte sempre!)